no silêncio não há morte.
Luíza Dunas (Luísa Sousa Martins) nasceu em Lisboa, que tem por sua terra oráculo, porto e pórtico das suas vi(r)agens.
Os escriptos surgem-lhe por obediência, assinalando imperativo que lhe inspira o cumprir de uma travessia revelatória de profundos, da qual se sente tão-só a decifradora e a primeira leitora.
Os escriptos surgem-lhe por obediência, assinalando imperativo que lhe inspira o cumprir de uma travessia revelatória de profundos, da qual se sente tão-só a decifradora e a primeira leitora.
segunda-feira, 18 de dezembro de 2017
Ele disparou-lhe para o pescoço uma substância que a fez cair, sem forças nas pernas. Arrastou-a para dentro de uma pequena sala, o chão era frio, ela não lhe via o rosto, ele ajoelhou-se e, a segurar-lhe delicadamente na cabeça, transmitiu-lhe ao ouvido sem proferir palavras um pensamento que a deixou atordoada, e saiu depressa. Era uma casa no cimo de um rochedo, com vários patamares e muitas escadas. Quando ela recuperou forças foi a pé até ao mar, pelas rochas, que íam aumentando em altura à medida que se aproximava das águas, o que lhe tirava a vista do mar, só ouvia o som da rebentação mais profunda como se estivesse imersa. Agora a rocha onde estava tornava-se escorregadia e mexia-se para baixo, o mar crescia em ondas diáfanas cinzentas ameaçando tragá-la, medo,
num instante era manhã.
| Salto da gazela - sonhos de uma curandeira |
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
| húmus |
num certo tombar do sol, numa certa cidade de sol, numa certa cidade de anjos, penetrou no coração da árvore da vida a anunciação da queda de duas folhas, uma graça, foi na exacta hora em que os dois olhares antigos cruzaram a estrela que esta lhes retribuiu luminosa o solo de uma floresta, de onde partiram juntos de mãos vazias e acarinhadas para as suas terras lunares, a estrela circulou-os em todos os seus cantos, santos, plantas, odores, águas, cumes, ruínas, feridas,
nus,
nus.
num certo tombar do sol, numa certa cidade de sol, numa certa cidade de anjos, penetrou no coração da árvore da vida a anunciação da queda de duas folhas, uma graça, foi na exacta hora em que os dois olhares antigos cruzaram a estrela que esta lhes retribuiu luminosa o solo de uma floresta, de onde partiram juntos de mãos vazias e acarinhadas para as suas terras lunares, a estrela circulou-os em todos os seus cantos, santos, plantas, odores, águas, cumes, ruínas, feridas,
nus,
nus.
sábado, 23 de setembro de 2017
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
Cabra montês
Vou no ditado dos sopros, a morrer, talham-me a fé e a terra, aqui, neste mosaico agreste, a cada passo aos altos cumes me toca a rebate a hora pia, a cruz do sagrado ministério do corpo, onde as águas ascendem aos pássaros e à sede e as penas e a leveza se confiam à superação do sal e do infinito, aqui, onde sobre as pedras quentes me estendo.
Vou no ditado dos sopros, a morrer, talham-me a fé e a terra, aqui, neste mosaico agreste, a cada passo aos altos cumes me toca a rebate a hora pia, a cruz do sagrado ministério do corpo, onde as águas ascendem aos pássaros e à sede e as penas e a leveza se confiam à superação do sal e do infinito, aqui, onde sobre as pedras quentes me estendo.
quarta-feira, 26 de julho de 2017
Noite em chama, por esta vereda passo, altos muros, altas árvores, ao alto o céu, percorro-a, ao fundo o portão e o guardião, corro, acorrem as árvores, tocam-me os ombros, abrando. No limiar viro-me, tenho as árvores a olhar para mim com olhos de pássaros nocturnos, volto-me para o portão, avanço, e aos primeiros passos para fora outros tomo para dentro. O bater metálico do portão sela-me as sombras dos tempos. Aqui fora dou passos largos sobre a calçada, cá dentro pausados, pés nus sobre a relva; aqui fora a noite quente, aqui dentro o húmido entardecer, os pombos, os melros, os pardais no seu canto; agora que é noite atravesso a estrada à luz dos candeeiros, e aqui estendo-me na relva, o azul claro pende sobre as árvores e o rio neste recanto.
quinta-feira, 13 de julho de 2017
Ela
entrava no mar, a ondulação convergia para si de todos os lados, as
várias correntes puxavam-na pelos tornozelos, as ondas não rebentavam,
mantinha-se de pé com dificuldade, mas avançava, prometera imergir,
virou-se de costas e largou-se, a rir, para das águas se cobrir. As
ondas cresceram, do areal uma voz chamou-a, ao erguer-se o mar era um
longo manto que trazia sobre os ombros. Chegada ao areal sentou-se a
olhar os pés, e começou a cantar, era uma canção de Aquiles a cantar
Hermes.
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Salto da gazela - sonhos de uma curandeira
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Salto da gazela - sonhos de uma curandeira
segunda-feira, 12 de junho de 2017
Virá o dia em que morreremos um do outro, num outro veio estelar entoará a métrica do reencontro, reconhecer-nos-emos, desta vez, menos estranhos. Mas este futuro é o nosso passado, na verdade, é o nosso invariável tempo, empurra-nos inseparáveis para nos estranharmos tão próximos, e prolonga-nos este aperto, o de não sabermos estar perto.
sexta-feira, 9 de junho de 2017
segunda-feira, 5 de junho de 2017
quarta-feira, 10 de maio de 2017
Vénus prostrada, corpo deitado ao fragor da sombra, febril, os olhos abrem as cortinas sobre a montanha, ali no cume, onde o gelo ao sol promete o cair das lágrimas e o regresso das árvores, das flores, das fontes e dos pássaros, trémulos e doces os lábios no bramir-lhe a lua.
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terça-feira, 9 de maio de 2017
quinta-feira, 20 de abril de 2017
A passagem estava escrita.
Nessa manhã, após a leitura, partiu descalça, e seguiu a borboleta branca, eram muitas, não tinha como se perder, até que desapareceram. Tinha chegado à escada talhada na terra.
Começou a subir, a escada era como uma serpente enroscada à montanha, à medida que subia escurecia rapidamente. Subiu até ao último degrau que dava para um cume suspenso, de onde provinha uma luminosidade dourada e um cheiro encantador, profundo, a deserto.
Ajoelhou-se, a olhar para cima. Tinha sede. Via silhuetas, ondulantes, as mulheres segredavam a sabedoria, e os homens a eternidade. As suas vestes eram translúcidas, os cabelos dourados, os corpos leves, a morte tinha-os elucidado de tanto lhes pregar a vida, em severa misericórdia. Deram-se as mãos, agora eram uma coroa branca, e o cume côncavo, como um cálice.
Vai, chegou-lhe ao peito em amoroso eco.
Levantou-se, e começou a descer pelas vertentes, a escada desaparecera, amanhecia, a partir dali arriscou todas as paisagens, perdendo-se acertadamente.
quarta-feira, 5 de abril de 2017
Àqueles altos sobe-lhe o vento ao sol e o azul branco do mar,
um freio no peito volve-se-lhe corrente imponente como a que enfeitiça a vaga a arrebatar o destino da terra, e a salga, a deserta e lhe conta as areias, Antheia beija as flores e os odores e não foge do pássaro que a aterra sobre céus verdes e lhe arrouba o sangue com mel.
sexta-feira, 24 de março de 2017
Artemisa quebra-se agora,
quente como se acarinhasse as hastes de um veado ou os ramos de muitas árvores, olhar cintilante,
sonha as pernas pelos areais e falésias ao redor dos polens da lua do sal da nua pele, as ancas; sonha aos ventos o azul, o canto do tempo de cima a baixo, sonha os pés suspensos na maré e no chão, e os lábios em segredo aos anjos pela boca de Hermes.
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Há uma presença na agonia desta
manhã a reencarnar-se-me leveza que me obriga a enxergar na mais escura
paisagem, lembra-me uma fome, ou um deus, retarda-me as cinzas e o levantar-me
incrédula da cama para a novidade insuportável do dia, é que a luz tem
claramente um lado negro. Parece estar destinada a tomar todo o seu tempo,
para, como uma espada, me trespassar e desiludir-me o inferno. E eu rezo para
que aponte ao plexo solar toda essa brutal pacificação.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017
terça-feira, 17 de janeiro de 2017
quarta-feira, 11 de janeiro de 2017
O melhor sitio da terra para se esconder e morrer pareceu-lhe ser aquela gruta no alto da montanha. Artemisa perdeu as feições, tornou-se barro, lama seca, de um vermelho negro, as costas com veios fundos, peito escavado. Passou anos curvada e desaparecida em seu perecimento.
Foi encontrada por Perséfone na noite que esta atendia ao grito da primavera a chamá-la para o azul da manhã e escolhera sair por aquela gruta pois dava para um céu vasto. Perséfone segurou-lhe as mãos e deu-lhe metade de uma romã, rubra, Artemisa sem levantar a cabeça. E ali ficaram silenciosas a olhar a romã, primeiro, e depois, a hora, a hora que chegara, no átrio da gruta que se abria para o azul luminoso. Artemisa levou aos lábios a romã, choraram-lhe os olhos visceralmente, viu a floresta e os pássaros, tomou-lhe uma ânsia, começou a correr pelas vertentes, instintiva, entorpecida mas veloz, um fumo branco batia-lhe nas faces, viu uma anciã, de costas, de lenço à cabeça atado ao pescoço, um homem a voltar-se para a ver, uma criança muito pequena a erguer os braços para o colo de uma mulher vestida de branco, não podia ver quem eram, surgiam e desapareciam, a preto e branco. Por fim, o leito de um riacho a arrepiar-lhe todo o corpo, as línguas doces dos cervos nas suas costas, as cores das flores a raiar e uma ursa a apontar para a lua do outro lado do sol. Artemisa apenas se lembrava de meia romã, rubra, e de umas mãos noite quente azul a clarear.
segunda-feira, 2 de janeiro de 2017
Estava num sótão, chão de tábuas, o sol descia em poucos raios de luz e pó de entre as telhas,
mesas, camas, cadeiras, guarda-fatos, teias de aranha, candeeiros, tapetes, quadros, arcas, dos avós,
um espelho a um canto na parede mostrava-lhe uma sombra, que se movia quando se movia,
parou, focou,
e viu,
ainda de longe,
um rosto, de mulher, olhos zangados,
a boca tinha os lábios cozidos um ao outro com um fio de lã de cor amarela,
aproximou-se,
devagar, torneando as mobílias, para ver de mais perto,
e daquele rosto zangado foi saindo dos olhos um sorriso,
e agora, tão perto, o fio de lã era um fio de creme, amarelo, que se derretia pelos lábios, doce, os lábios luziam, e o olhar, a olhar-me, de um brilho.
Salto da gazela - sonhos de uma curandeira
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