L'a Dunas (Luísa Sousa Martins) nasceu em Lisboa, que tem por sua terra oráculo, porto e pórtico das suas vi(r)agens.

Os escriptos surgem-lhe por obediência, assinalando imperativo que lhe inspira o cumprir de uma travessia revelatória de profundos, da qual se sente tão-só a decifradora e a primeira leitora.



quinta-feira, 22 de novembro de 2018



nos teus braços pousamos o nosso corpo - não o nosso peso - o nosso sentir, por ti, vemos o que vês, em nós, o escudo mortal, a escuridão e o  s   i   l   ê   n   c   i   o 


segunda-feira, 22 de outubro de 2018



as horas sobem ao azul, os nossos corpos tocam o sopro, olhamo-nos em várias direcções, a inesperada dor de sermos luz, juntos, brandos e bravos, acerta-nos a nudez.


Salto da gazela - sonhos de uma curandeira

segunda-feira, 23 de julho de 2018



é manhã, de verão, as noites crescem, a brisa pendula as árvores, os cães ladram, já desço pelos degraus de terra para o lago, eis as alcachofras, a lavanda, as estevas, o alecrim, as formigas, os juncos, os ternos juncos, vou curar os pés nas lamas brancas e vermelhas, e vou-te largar ao sol a partir das águas, as rãs coaxam, entro.



com a mesma força com que me preenche me esvazia, amarra-me e devolve-me as cordas, este recobrado dos magmas início.


primeiro há o som, dentro, depois vários sons que sobem e se reúnem ao centro e se juntam corpo, é quando dou por mim, e, no meio de inúmeras e conectadas consciências, abro os olhos.

terça-feira, 3 de julho de 2018



O mundo sonhado e inexistente, o torrencial anseio, aperto, grito e mudez, paz, glória e desespero, a janela, a casa e a rua, Álvaro e todos sem camisa, a arrepiante irmandade num divino poço para o abandono ao universo sem ideal nem esperança.

| Tabacaria revisited |



Clareia a manhã, regresso ao canto dos pássaros, os melros são os primeiros a aparecer na calçada, o galo ainda dorme, as tílias estão ao rubro, inebriantes noite e dia, o tejo e o céu rosam as brumas na forja do sol que agora apareceu incandescente e sobe,
quieto, quieto.





o tempo Aparece-me, surpreende-me numa inocência de espírito, para me levar às mutações, quero dizer, aos tutanos plásmicos das tessituras, quero dizer, ao tremendamente magistral corpo, desfere-me as transcendências de qualquer angústia a que me converto, desprende-me as alegrias.


O mar já embala a pele da serpente, veio buscá-la às areias para as águas cristalinas, num sonho indefinido.

terça-feira, 12 de junho de 2018


sobre o tampo da secretária, tinta e penas, folhas de papel, envelopes, cartas lacradas, o cheiro de paisagens pela janela, os sonhos, o desejo, e a noite, cortinados afastados, céus encobertos, e o depois.


devagar devagar me sobes, vais-me subir à cabeça
já me sopras a febre que me vai arder corpo abaixo

| em paragem solar |



Tão leve, etéreo, movia-se no interior do que inicialmente me parecia uma gruta; demorou-se neste movimento junto às paredes - eram um limiar - aguardava que eu percebesse que era o interior do meu corpo onde se movia, e que nada o prendia, era um olhar. Era eu, sem ser eu. Quando percebi, atravessei ou desapareci, não sei bem, mas que era eu a partir, era.

| Salto da gazela - sonhos de uma curandeira |


Impressiona-me o tempo, este assombroso
mo
vi
men
to,
o segredo de cada dia, os verbos de cada noite e dos sítios, a olhar-me os céus e as despedidas.

quinta-feira, 10 de maio de 2018


e tudo o vento levou, e semeou.



Vou continuar a ler-te, a encontrar-te nas ruas desta cidade, nos lugares em que caio ou me reapareço, que me chamam para me insatisfazerem nas escrituras dos tempos. Já estou a falar em várias línguas, o seu espírito aperta-me, possessivo, largo-o, excepto quando o não posso pronunciar ou quando o meu corpo tem fome de sacrifícios. Entro neste convento, caio imediatamente numa imensidão impensável, as asas dispensam-me. É meio dia, pego n'A Insustentável Leveza do Ser, quero ler-te neste estado impensável, vou para os claustros. Sento-me encostada às colunas e leio repetidamente as mesmas frases desta página, perco-as, mas volto a mim, ou melhor, voltam-me os claustros. Está um vento quente e o sol bate-me no peito, descalço-me. Os pés despidos trazem-me - não vou dizer leveza - o cheiro dos arbustos e as geometrias respirados por centenas de anos. Como me vou levantar da alegria deste lugar ?

| da original queda |

sim, virás, à pauta, à fuga, dentro para mim, às águas vivas, ao corpo animado, à íntima boca, à alegria nua.

| profecias de lácio |


terça-feira, 10 de abril de 2018





Com o cair das águas e o soltar das bestas me vens acalmar e ensinar a espera sem demora.



sexta-feira, 23 de março de 2018


lembro-me
do cheiro das flores e dos matos dos verdes bosques que os outonos tornaram húmus e chuvas
dos meus pés nas primeiras lamas e o subir das águas e a força das correntes de um rio que se fez mar
da saudade perdida
agora que a terra avistei.



O galo cantou(me) duas vezes esta manhã, parecia estar à minha espera, passava pouco das oito e meia, eu tinha acabado de bater a porta de casa, uma branca luminosidade trespassava os vidros da clarabóia do edifício, na rua olhei para todos os lados como se o galo me estivesse a ver de um lugar distante e circular, tudo à minha volta está a cintilar.
Salto da gazela - sonhos de uma curandeira

segunda-feira, 12 de março de 2018



o sino chama, retine a hora, a manhã é a minha veste, o trinco de portas a soar no peito, abrem-me as brumas e o aveludado das asas,
espero-te
o relógio despe-te, da nascente vens.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018



estreita-me a montanha para me desprender o laço da terra
no meu corpo e sangue o requebro e a saudosa respiração

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018



no princípio era o ouro.




piedosa é a noite 
que no escuro me refunda sem dó 
e me encontra sem sombra de mim.






quando no coração entra a vida 
viver é indizível.



sexta-feira, 5 de janeiro de 2018



cheira a noite, ao invernar da semente, recolhida, não adormecida, quente
cheira a noite a desenhar-me jejum e cosmogonia, a romã me pressente.


| premonições de Perséfone |


estou corpo, em órbita de partidas, roso da negrura, os anjos rolam-me à estrela, sou poeira dourada suspensa no movimento que me pausa infra, supra,
intra.


| em solstício |