a miragem do tempo confirma a sua passagem, o passado é presente a tempo de agora, porque é tempo agora do tempo que não se foi, que é guia para o futuro passado, a serpente vai morder a cauda, vai, e está, está, não pela primeira vez, não pela última vez, não em progressão, não em feitiço ou prisão, realizado o tempo do viver e morrer os tempos

'Ela

na improbabilidade se ajustam contas

Caiu-me do céu
ou caí eu.

neste lugar borbulhante como as águas na nascente, acerto as horas a zeros, meu sempreIrmão que me eternas.

vou já nesta chuva que me termina e assina, ponho o casaco sobre os ombros, desfazem-se todas as cartas, regressas-me

reapareço no corpo, o movimento é inicialmente o de uma vastidão a condensar-se, sem se distanciar ou romper
a consciência, não eu, observa-se a estreitar-se, a penetrar-se de uns sentidos, a habitar-se de uns tempos, plásticos, fluidos, que aparentam ser intransponíveis apenas para darem passagem
a outros tempos

| acordar é uma maneira de falar |

afino das mínguas a saudade, vestal corpo ao sol, casta só até antes de o mar me tocar

| livro das horas |

difícil é o desengano, a verdade não.

Vou ali reunir com uns antepassados, a ver se me fazem um desenho.

Segurava uma estrela de 5 pontas, procurava um livro filosofal num alfarrabista, para o pedir tive de o dançar, não tinham, mas tinham um livro de viagens.

| sonho 49 |

O encontro é inestimável e secreto seja qual for a revelação

da quietude à quietude, o mundo.

dá nome às impossibilidades, não as mates
inteira-te nas partidas, segue a fome

Amanhecer é mais forte do que eu.

Se olhares muito para a montanha, a montanha começará a olhar para ti

Tive a sensação nos lábios do beijo na tua pele, pensei que sonhava acordada, afinal eu estava acordada no sonho, encostada a ti, olhávamos o céu; sussurraras-me junto ao ouvido esquerdo que tinhas lançado as cinzas em cima da cama, o soar do teu coração tocava todo o meu corpo, disse-te que as cinzas na cama me pareciam um altar da fénix.

| sonho 30 |

Havia dias em que sabia que o olfacto lhe ía matar a inocência, benzia-se antes de sair de casa, os cheiros levavam-na a limiares, apareciam-lhe mundos inquestionáveis, desaparecia de um e de outro em redemoinho, uma angústia.

o tempo a morrer devagar, macio, num jejum jubilar, estelar a lama de curar

o Tempo, e voltar

Antes de abrir os olhos eu não estava aqui. Voltar aqui foi uma subida, pelo escuro, primeiro surgiu um som, depois uma imagem que veio pelo som, depois o corpo, o meu, e logo a onda do mundo me voltou onde sou particularmente animada. Observo que o mundo progride do som ao corpo, e finalmente à luz, e que aparece e desaparece, que sobe e desce, que abre e fecha, que do escuro se faz luz e vigilante o sono, que da indiferenciação brota a diferença. O mundo será o mito ou o símbolo desse destino de onde se cai para se voltar, que nunca se perde. O tempo é-nos recobro do espanto de nos vermos invisíveis ou, o que é dizer o mesmo, mortais.
O que aconteceu e não aconteceu para eu voltar. No momento em que o mundo me volta torno-me submundo, entrecortada a luz, e sei, quando desescurecida, que voltei a cair, que não sou de aqui e nem de além, e nesta inquietação me sossego.

tempo, logo mistério. 

Quando o discípulo está pronto, o mestre desaparece.

Todas as palavras repousam o corpo de um outro lugar

a correr nos atrasamos

Júpiter abriu os olhos, viu-se no lugar do corpo, o corpo, nebulosa de insuportável luminosidade e negrura, fractal, distância destinada a fronteira, a velhice, para o inteiro, ressurgido, não regressado, na divina noite, ensanguentado, de si, imortal.

ao sol se queimam os sonhos, o rosto despido das chuvas, caminhante, os irmãos velam nas encruzilhadas

a mulher de rosto ao céu, agora aos olhos as águas, descoberto o sonho, veste-se dele, despe-a ele, antes, antes de a noite a levar.

Primeiro foi a explosão do areal e logo o mar em tempestade diluvial, veio o abismo e a urgência da queda, foi a perda, foi a agonia e por fim o choro. Não se imagina a luz, não se imagina.


| sonho 43 |

Antes de chegar aqui sonhei que estava neste lugar. Agora que aqui estou é um outro lugar, um outro plasma, um outro véu. Este contínuo desaparecimento

recordar é depois, acordar é antes de

o cuco foi o primeiro.

Este embaraço de refrearmos o rio, que nos leva somente para nos selar o ir, descobre-nos, desfeitos, à vista de abismos, movimento e eternos. Este medo de não libertarmos a morte, de sermos as correntes incertas, para, enfim, o salto, amoroso, imperdível, original, nEssa inconcebível plenitude

todos os céus, todos os pássaros, os anos de cela, os anos de ti, a espera, o morrer, a cada amanhecer me desconheço

beijo esta pedra

Love it be

'Ela

um som uma mudez circulando circulando-me um acordar uma corda

primeiro, o primeiro alvor, depois os pássaros, os voos e as letras, o Tejo a transcorrer-me, e a barca, aquela barca

| livro das horas |

é do anseio de sombra que irradiamos como ruínas majestosas a desaparecer ao drama da luz

ao corpo e à morte por vastos e inconcebíveis nos prendemos a imaginá-los

vigoroso silêncio das ondas da noite, o respirar do céu, sorri o anjo ao morder-me

das duas, uno
és quieto e inconstante humoração, não há escolha, é uma liberdade.

Quando partes, ficas.

Orar é selvagem

Só há tempo para ser inteiro

um raio iluminoso do céu por entre os galhos sombrios me entreabre os lábios de fome a sonhar-te

Orar é humano

por este céu em que somos a terra nos desfolha os olhos

demoras-te mortalmente

é no impossível que tocamos a eternidade

Deixa morrer a vida e vive.

Estas brumas devolvem-me a vós, meus irmãos, minhas vidas de morrer, anelo e fôlego, meu íntimo.

Por estas colinas a noite é a pérola do sol, juntam-se os pássaros ao rosar dos céus e no rio uma nocturna inquietação promete penetrar a manhã, lúcida, as árvores são o coração dos sonhos, macio da tempestade, a noite arrisca adentro o homem o longe e o sangue com a força dos tempos, das leis, cobrem a cidade, as brumas.