o espírito escreve
sem que o gesto da grafia seja devido
Luíza Dunas (Luísa Sousa Martins) nasceu em Lisboa, que tem por sua terra oráculo, porto e pórtico das suas vi(r)agens. Os escriptos surgem-lhe por obediência, assinalando imperativo que lhe inspira o cumprir de uma travessia revelatória de profundos, da qual se sente tão-só a decifradora e a primeira leitora.
ao entrar, parto, o parto pele, minha barca, os pés no areal da ampulheta, nua recém-chegada à partida.
quinta-feira, 22 de maio de 2014
ao descerrar das brumas o assobiar do vendaval flameja a espada da ísis ancestral aves negras na senda dos alvores a foz na voz d'irmãos amores fogo diamantino, vulcão, minha lava, minhas cinzas, em todos os desertos, fontes, meu coração travessias ao lodo, lótus original.
no rosto a flor de laranjeira, pólen do tempo impossível.
quarta-feira, 21 de maio de 2014
na benevolente quietude da montanha espera inocente, levita o canto do cuco presságios da imensidão, o esvaziamento.
nos olhos da senhora a subida prosternação, afilhada erguida, virginal chama, a ceia, a ceia.
sexta-feira, 9 de maio de 2014
assim que a filha o avista a sua voz reúne a brisa, os pássaros, os cheiros, o mato, as flores, as cordilheiras, os verdes, o azul, o sol, os insectos, os minérios, as terras, as covas, as represas, as hortas, toda a manhã, todos, no som do p do a do i.
o cuco cuca, tratam-se as videiras, o sol bate as 11, a borboleta branca adeja sobre o faval, o cuco cuca, a pereira, o pessegueiro, a cerejeira soltam das flores prenhes seus frutos, prenúncio de maio, promessa de abastança no fervor das rezas dos campos.
na velação a fogueira da sétima cúpula círio ao alto adentra o fogo nas águas unção dos espíritos febris dos amores exaltação das feras, retumbam tambores.
desferida a dádiva do amanhecer comoção no corpo, o golpe da nudez.
pássaros pela majestosa floração ramos, pousos, cantos no azular os elfos, os anjos, no céu a terra as margaridas entrelaçam prados poças de chuvas, fetos, insectos no regato a música, luzem ceptros.
por vezes, David, aconchegamo-nos a tristes penitências por vezes, sabes, alongamo-nos em alegres promessas e por vezes esgotamos o tempo de revivermos mil vezes o conspirado adiamento de nos desenganarmos de vez.
brumas amantam o verde mato jarros e estrelícias humedecidos pingam azedas e bagas vermelhas pousado naquele arbusto o melro.
no peito suspensas as sacras águas baptismo no deserto névoas da paixão luz eterna, íntima sede, virá a pomba o sopro da trindade, imortal reaparição.
entre irmãos nas trevas me ajoelho nossa catedral amor, eleitas penas ascender ao abismo perfeito pouso a bruma os anjos, luzem açucenas.
no jardim, húmidos ébrios odores primaveram os verdes e as flores, pássaros em cada ramo folheado cabelos ao vento, colo desnudado mulher ao sol reclinada no banco sonha o jardineiro naquele recanto.
Tudo é um antes, um secreto, uma cripta, uns escritos. D'Isso o corpo verbal, a respiração, a onda primordial. Depois os anjos, qual cegonha, a iluminar a via parental, encarnar, o parto, partir . Não há luz que desvele a luz, só a sombra,só o deserto, só o entardecer, só as cinzas, só os irmãos, só o amor, n'Isso.
no feminino o masculino, solar entorno em corpo de lua, sagrada assim, deusa irmã materna amante, alma nua.
Quem é anjo sempre aparece.
a perda ou o perdão o porto ou o portão.
houve no tempo um tempo que há um tempo que não é do tempo o tempo de sempre amor.