O melhor sitio da terra para se esconder e morrer pareceu-lhe ser aquela
gruta no alto da montanha. Artemisa perdeu as feições, tornou-se barro,
lama seca, de um vermelho negro, as costas com veios fundos, peito
escavado. Passou anos curvada e desaparecida em seu perecimento.
Foi encontrada por Perséfone na noite que esta atendia ao grito da
primavera a chamá-la para o azul da manhã e escolhera sair por aquela
gruta pois dava para um céu vasto. Perséfone segurou-lhe as mãos e
deu-lhe metade de uma romã, rubra, Artemisa sem levantar a cabeça. E
ali ficaram silenciosas a olhar a romã, primeiro, e depois, a hora, a
hora que chegara, no átrio da gruta que se abria para o azul luminoso.
Artemisa levou aos lábios a romã, choraram-lhe os olhos visceralmente,
viu a floresta e os pássaros, tomou-lhe uma ânsia, começou a correr
pelas vertentes, instintiva, entorpecida mas veloz, um fumo branco
batia-lhe nas faces, viu uma anciã, de costas, de lenço à cabeça atado
ao pescoço, um homem a voltar-se para a ver, uma criança muito pequena a
erguer os braços para o colo de uma mulher vestida de branco, não podia
ver quem eram, surgiam e desapareciam, a preto e branco. Por fim, o
leito de um riacho a arrepiar-lhe todo o corpo, as línguas doces dos
cervos nas suas costas, as cores das flores a raiar e uma ursa a apontar
para a lua do outro lado do sol. Artemisa apenas se lembrava de meia
romã, rubra, e de umas mãos noite quente azul a clarear.